sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

QUADRINHOS


Asterix terá sobrevida, mas com nova alma

Decisão de Uderzo, desenhista original do personagem, provoca resistência de sua filha Sylvie 

Erick Vizoki

Um dos personagens de HQ mais famosos e carismáticos do mundo, Asterix, acaba de mudar definitivamente de mãos. Às vésperas de completar 50 anos (a primeira aventura do pequeno guerreiro gaulês foi publicada pela primeira vez em 1959), um dos seus criadores, Albert Uderzo, 81 anos, ao lado de Anne Goscinny, filha do outro criador e roteirista da série, René Goscinny (falecido em 1977), venderam os direitos do personagem e sua turma ao grupo editorial Hachette, em dezembro de 2008, que comprou sessenta por cento das Éditions Albert René, que detinha, desde 1979, todos os direitos sobre o universo do personagem. Não foram divulgados números da negociação, mas sabe-se que não deve ser pouco.

Segundo a revista Livres Hebdo, a Éditions Albert René atingiu, em 2007, um volume de negócios de 11,3 milhões de euros, além da exploração do Parque Astérix, na França, que tem dado sempre ótimos lucros, e adaptações cinematográficas.

Para os fãs dos mais corajosos e engraçados guerreiros dos quadrinhos, a notícia pode ter um lado bom diretamente proporcional a um lado ruim. 

Após o falecimento de seu parceiro Goscinny, que além de Asterix também criou outros personagens clássicos e muito populares, como o cowboy Lucky Luke (em parceria com o desenhista Morris) e do Grão-Vizir Iznogud (com Jean Tabary), Uderzo passou a dar continuidade aos álbuns sozinho.

Goscinny é normalmente associado à imagem de historiador devido a seu meticuloso trabalho de pesquisa predominante em seus roteiros, repletos de informações históricas, hábitos e costumes do universo que cercam suas criações. Na verdade, o roteirista francês começou a cursar Artes no Liceu Francês de Buenos Aires, cidade onde viveu por alguns anos. Com sua morte, Uderzo encarregou-se dos roteiros, além dos desenhos. 

O lado bom é que a série continuará a ser produzida, na nova editora, com histórias inéditas. 

O último trabalho inédito, assinado por Uderzo, saiu em 2005, “O Dia em que o Céu Caiu”. Apesar da arte sempre primorosa do desenhista, seus roteiros diferem um pouco dos textos de Goscinny. Enquanto os argumentos do roteirista original eram pautados por uma visão satírica do cotidiano francês (ou gaulês) na época da dominação romana (50 a.C.), quando a França ainda se chamava Gália, Uderzo passou a imprimir conotações políticas e críticas sociais nas aventuras já a partir da primeira história sob sua batuta, “O Grande Fosso” (1980). Apesar, também, dos trabalhos solo do desenhista manterem o mesmo bom humor de Goscinny, nenhum deles pode ser comparado com as brilhantes tiradas do roteirista criador de Asterix. 

Entramos aí no possível “lado ruim”... Sem Goscinny, ainda temos “meio” Asterix original, perpetuado até então por Uderzo. Agora a série continuará sem nenhum dos dois.
É difícil imaginar os irredutíveis gauleses surgindo de outra pena que não de seu desenhista original. 

Mesmo assim, o parceiro do falecido Goscinny declarou, segundo o semanário Livres Hebdo, no dia 9 de janeiro deste ano, que autoriza a continuidade das aventuras de Asterix na nova editora após a sua morte, mas disse que escolherá o novo desenhista do personagem, o que já é um alívio para os leitores do pequeno gaulês. Um alívio mesmo, pois outro personagem criado por Goscinny, Luky Luke, atualmente nas mãos da dupla Achdé e o humorista Laurent Gerra, após a morte do desenhista Morris, em 2001, não conseguiu repetir o mesmo sucesso que tinha nas mãos de seus criadores originais.

A briga continua

Do outro lado da polêmica está Sylvie Uderzo, a filha do desenhista das histórias de Asterix, que é contra as condições nas quais o grupo Hachette adquiriu o controle da Éditions Albert René,  afirmando que houve “uma manipulação destinada a mudar o curso natural das coisas”.

“Sou contra porque Asterix é o meu irmão de papel”, escreveu num artigo intitulado “Aos leitores de Asterix”, publicado no “Le Monde”. Sylvie Uderzo continua a ser proprietária de 40 por cento da Albert René.

“Estou a lutar contra os piores inimigos do Asterix: os homens da indústria e da finança. Aqueles que levaram o meu pai a renegar todos os valores com os quais ele me educou: a independência, a fraternidade, o convívio e a resistência”, disse Sylvie. “Não se trata de um conflito familiar, mas da história de uma manipulação destinada a mudar o curso natural da vida e da sobrevivência de uma obra artística”, revela a filha de Uderzo. “Lutarei não contra o meu pai, mas para preservar tudo o que o fez, tudo o que o animou: a sua obra imaginada em conjunto com René Goscinny”, esclareceu ainda. (AFP)

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