segunda-feira, 12 de maio de 2014

POLÍTICA

Conquista do piso nacional por agentes comunitários evidencia enfraquecimento de Dilma junto a aliados

Erick Vizoki
No último dia 7 de maio foi votado, na Câmara dos Deputados, o PL (Projeto de Lei) nº 7.495/06, que define o piso salarial nacional dos agentes comunitários de saúde (ACS) e dos agentes de combate às endemias (ACE), entre outros benefícios. O valor ficou definido em R$ 1.014, montante esse que já era repassado, para cada ACS e ACE, pela União aos municípios para pagamento desses profissionais que atuam junto ao Programa Saúde da Família (PSF) e no SUS (Sistema Único de Saúde) a título de incentivo financeiro. Até o ano passado, o valor do repasse era de R$ 950 por agente.
O problema era que muitas prefeituras não repassavam aos trabalhadores o valor integral, desviando esses recursos para outras despesas, o que levava a diferenças salariais em várias localidades do País, uma vez que se tratava apenas de um incentivo financeiro para a manutenção desses profissionais, e não de um salário regulamentado.
Por outro lado, as prefeituras alegam que não tinham recursos suficientes para custear os encargos trabalhistas dos ACE e ACE, e por isso o repasse era corroído por essas despesas extras.
“Chegamos a pensar que a votação seria adiada mais uma vez, pois o governo sempre esteve contra a aprovação de nosso piso salarial nacional”, informa José Roberto Prebill, presidente da Fenaac (Federação dos Agentes Comunitários de Saúde, de Combate às Endemias, de Proteção Social, de Promoção Ambiental e Acompanhantes Comunitários do Brasil) e do Sindicomunitário (Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde, de Combate às Endemias, de Proteção Social, de Promoção Ambiental e Acompanhantes Comunitários do Estado de São Paulo) ao Bloki.


O presidente da Fenaac, José Roberto Prebill (centro), que representa os ACS e ACE em nível nacional, esteve presente no dia 7 com diretores e jurídico da entidade para acompanhar a votação. (Foto: Eli R. Oliveira)


A profissão de agente comunitário de saúde foi criada oficialmente através da Lei nº 10.507/2002 e, em outubro de 2006, era promulgada a Lei nº 11.350, que tratava da contratação, pelo SUS , dos agentes comunitários de saúde e dos agentes comunitários de combate às endemias em todo o território nacional. O PL 7.495/06, de autoria do senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA), veio regulamentar os vencimentos salariais da categoria em todo o País, mas as entidades representativas dos ACS e ACE, entre sindicatos e associações, estavam encontrando dificuldades para tornar o projeto em lei por resistência do governo federal.
A matéria entrou e saiu da pauta de votação dos deputados por diversas ocasiões. Só entre outubro e novembro de 2013 foi três vezes ao plenário, mas por orientação da presidente Dilma Rousseff, os parlamentares da base aliada realizaram manobras para que o texto caísse nas três oportunidades.
Na última vez, em 12 de novembro, Dilma assinou um tal “pacto pela responsabilidade fiscal” com a base aliada, praticamente ordenando que os deputados não votassem projetos que onerassem o Tesouro.

Torre de Babel

Finalmente, no último dia 7 o projeto voltou ser discutido mais uma vez. Inicialmente, a votação havia sido marcada pelo presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para o dia 13 de maio. Porém, em virtude da XVII Marcha à Brasília em Defesa dos Municípios, que acontece nos dias 12 a 15 de maio, foi antecipada para o dia 7.
Ainda assim, a discussão chegou a ser retiradada pauta no dia anterior (6), sendo o cancelamento divulgado pelo portal da Câmara.
Porém, após discussões que aconteceram durante toda a tarde do dia 6 entre parlamentares, representantes do governo e da oposição, juntamente com representantes da categoria, o texto voltou à pauta do dia seguinte.
Numa última tentativa, Dilma Rousseff ainda enviou comunicado, na tarde do dia 7, ao plenário orientando, publicamente, que ainda não seria o momento de votar o PL do Senado. Seu apelo não foi atendido e as bancadas de todos os partidos, incluindo o PT e a base aliada, votaram em peso a favor dos ACS e ACE.
Segundo consta no site da Conacs (Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde), que não é uma entidade sindical, mas representa as associações de agentes comunitários de saúde de todo o País, o novo líder do PT na Câmara, Vicentinho (PT-SP), afirmou que a matéria é “um peso, duas medidas”.
“Não é possível que seja aprovado tantos projetos que favorecem outros trabalhadores e não se votar o piso salarial dos ACS e ACE que tanto fazem pela Saúde Pública de nosso País”, teria dito ainda o parlamentar.
Na avaliação da Conacs, “o nobre Deputado nos faz refletir sobre a conduta do Governo em relação à categoria dos ACS e ACE. A conclusão ‘para nós’ é que não se pode confundir Partido dos Trabalhadores com Governo, pois caso contrário, significa usurpar de todos os 300 mil ACS e ACE o direito de sermos chamados ‘trabalhadores’”. A avaliação da Conacs é um tanto confusa, uma vez que, até então, as lideranças petistas tinham sido os principais responsáveis por postergar a votação.
Prova disso, é que o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), então líder do PT e atual vice-presidente da Câmara, escolhido pelo PT para assumir o lugar do deputado André Vargas (Sem partido-PR), que renunciou por denúncias de envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, foi enfático em 23 de outubro do ano passado (quando a votação do projeto do piso salarial foi mais uma vez ao plenário), ao defender que o PL 7.495/06 não merecia atenção do Parlamento, uma vez que os agentes comunitários de saúde não representavam “0,000...5%” do eleitorado.

Sem prestígio

Pode-se afirmar que foi a primeira grande derrota da presidente no Congresso Nacional.
A aprovação do piso nacional dos agentes comunitários é bastante sintomática num momento pré-eleitoral, onde Dilma já oficializou sua pré-candidatura e precisa de todo apoio possível, tanto do PT e dos partidos aliados, quanto da classe trabalhadora.
Mas a presidente vem enfrentando um crescente desgaste dentro da própria casa. A posição dos deputados da base aliada, principalmente do PT, foi o que se pode chamar de “fogo amigo”.

“Mandou bem”

O descontentamento da base governista vem crescendo e se tornando cada vez mais público e evidente. Um movimento criado nos corredores do Congresso, chamado “Volta Lula”, tem sido uma pedra no sapato, tanto para Dilma quanto para o ex-presidente. Partidos aliados ou simpatizantes do governo aderiram ao movimento.
Mas o azedume no Palácio foi sentido com mais força em recente reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado “Conselhão”, órgão tripartite que reúne governo, empresários e sindicalistas.
Segundo artigo do jornalista Valdo Cruz, publicado no dia 28 de abril pela Folha de S. Paulo, intitulado “Perdendo o respeito”, nessa reunião Dilma sentiu de vez que está perdendo espaço entre seus pares.
O presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Ubiraci Oliveira (o Bira), que participou da reunião, não poupou críticas à presidente.
“Dilma, na mesa principal, ouvia a tudo de semblante carregado. Na plateia, ministros e assessores faziam, protegidos dos olhares da chefe, gestos de concordância. Teve quem sorrisse de satisfação”, escreveu Valdo Cruz.
Terminado o discurso do sindicalista, este foi cumprimentado pelos presentes, chegando mesmo a ouvir um “mandou bem” de um empresário que participava da reunião.

Com as diversas manifestações se espalhando pelo País, com greves marcadas para várias datas e os exorbitantes gastos com os preparativos da Copa do Mundo aliados à ineficiência em entregar as obras prometidas a tempo, a tendência é que não só o apoio da base aliada, que também sofre desgastes por tabela e pode sofrer problemas nas eventuais candidaturas, diminua gradativamente, como também no eleitorado . Se o movimento “Volta Lula” não pegar de vez junto à população, a reeleição de Dilma poderá estar seriamente comprometida.

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