Alguns sindicalistas acreditam que o fim do tributo pode melhorar a qualidade do sindicalismo brasileiro
Erick Vizoki
Em
dias em que reformas diversas e profundas estão na pauta do atual governo
federal, o presidente Michel Temer tem encontrado forte resistência para
encaminhar sua agenda de mudanças que, segundo ele, podem modernizar o Brasil,
tirar o País da recessão, desemprego e moralizar a política nacional.
O
problema, no entanto, não está no Congresso Nacional, onde o chefe do Executivo
já conseguiu provar que tem considerável apoio dos parlamentares e uma base
aliada que, mesmo dividida, tem colaborado para a condução dessas reformas.
O
problema está numa sonora oposição orquestrada pelos chamados “movimentos
sociais” e entidades sindicais de trabalhadores que apoiavam e ainda apoiam o
ex-mandatário Luis Inácio Lula da Silva.
A
imprensa e a mídia, de um modo geral, têm divulgado o descontentamento dessa
oposição popular no que tange às reformas trabalhista e previdenciária,
principalmente, propostas pelo governo Temer. Essa oposição, que se manifesta
em diversas frentes, tem algo em comum: a maioria está umbilicalmente ligada ao
Partido dos Trabalhadores (PT). CUT, MST, MTST, UNE, CMP, entre outros, além de
partidos de esquerda que se recusam sequer a negociar com o que eles consideram
um “governo golpista”.
Essa
sufocante movimentação tem intimidado manifestações contrárias de pessoas,
inclusive lideranças, que antes faziam coro com a maior parte desses movimentos.
Casos isolados
Alguns
sindicalistas têm se mostrado parcialmente favoráveis à reforma trabalhista e
até mesmo ao fim do imposto sindical.
Um
deles é o presidente do Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento
de Alimentos do Estado de São Paulo (Sindbast), Enilson Simões de Moura, o
Alemão, que também é atual vice-presidente da União Geral dos Trabalhadores
(UGT). Segundo ele, “as centrais sindicais estão subservientes à CUT”.
Poucos
dias antes da greve geral proposta pelas centrais sindicais, e que foi
realizada no dia 28 de abril deste ano, o presidente do Sindbast publicou um
artigo na página oficial da entidade na internet sob o título “Contra a greve e
contra dois pesos e duas medidas” (leia o artigo na íntegra aqui). Nele,
Alemão declarou-se contra a greve e a favor da reforma trabalhista. Ele também
se manifesta a favor do fim do imposto sindical, uma tributação considerada
polêmica principalmente pela classe trabalhadora, mas defendida por
praticamente todos os sindicatos. O líder sindical ressalta que este é um
posicionamento pessoal, que não é compartilhado pela UGT.
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Enilson Simões, o Alemão, defende também o fim do fundo partidário.
(Foto: ASCOM/Sindbast)
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“Não
é possível que ainda fiquemos à mercê de uma legislação criada nos anos 1940”,
alega.
A
Consolidação da Leis de Trabalho (CLT) foi criada e sancionada em 1º de maio de
1943 pelo então presidente Getúlio Vargas, com o intuito de regular as relações
trabalhistas entre empregadores e empregados. O imposto sindical foi criado
para que os sindicatos que começavam a surgir pela primeira vez no Brasil
pudessem se estruturar e se organizar.
“O
sindicalismo brasileiro virou uma fanfarronice. A maior parte da receita dos
sindicatos advém do imposto sindical, ou seja, de dinheiro público. O trabalhador,
mesmo que não seja sindicalizado, é obrigado a pagar o equivalente a um dia de
trabalho todo ano ao governo, e boa parte desse dinheiro fica com os
sindicatos. O trabalhador precisa ter o direito de escolher se quer contribuir
com a entidade que diz representá-lo ou não”, observa Alemão.
O
sindicalista não se ateve apenas a defender o fim do imposto sindical. No
artigo, justificou seu posicionamento ao defender também o fim do fundo
partidário, que é um montante repassado pela União aos partidos políticos. Ou
seja, dinheiro público destinado a manter as atuais 35 legendas partidárias
registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Paralelamente,
queremos começar um movimento pelo fim do fundo partidário. Os trabalhadores e
o povo em geral não devem ser obrigados a contribuir com partidos que surgem
diariamente para viver, como um parasita, às custas dos nossos impostos, ou
seja, recursos públicos que nós pagamos e que deveriam ir para saúde, educação,
etc”, acrescentou em seu texto.
“O
trabalhador não pode continuar sustentando vagabundos travestidos de políticos
ou sindicalistas que em sua grande maioria atuam em causa própria”, disse à
reportagem. Vale ressaltar que muitos sindicalistas acabam por seguir carreiras
políticas e até fundar seus próprios partidos, como é o caso do próprio Lula,
fundador do PT, e de Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, que fundou o
Solidariedade (SD).
Combate ao “peleguismo”
Outro
experiente dirigente sindical, Roberto Scalize, presidente do Sindicato
Intermunicipal dos Trabalhadores em Empresas de Lavanderia do Estado de São
Paulo (Sintralav), diz ser simpático ao posicionamento de Alemão. “Só não
concordo com a aprovação da reforma trabalhista como foi aprovada na Câmara, de
resto assino embaixo”.
“Acho
que na verdade tem muitos dirigentes sindicais se omitindo. Tem muito dirigente
que pensa diferente e que não quer se expor e ficam na zona de conforto”,
acredita Scalize.
“A
realidade é que a CUT, desde sua fundação, e eu fui da CUT e sei o que estou
dizendo, era contra o imposto sindical”, relembra. “E eu acho que era uma
posição correta. Eu, particularmente, sempre fui a favor do fim do imposto
sindical. É uma coisa que tem que acabar. Porque de uma certa forma, isso
atrela os sindicatos ao Estado. Ou seja, teoricamente o sindicato passa a ser
uma extensão do Estado. Por isso esse famigerado imposto tem que acabar. Aí o
sindicato não terá mais vinculação com o Estado, passará a ter mais liberdade,
mais autonomia. E quando se tem essa liberdade, os trabalhadores passam a ter
condições de aprovar ou não em assembleia da categoria, seja profissional ou
patronal, a forma de sustentação do seu sindicato. Enquanto os sindicatos
estiverem recebendo o imposto sindical, ele estará atrelado ao Estado,
principalmente as centrais sindicais. E querem permanecer assim”, avalia.
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Roberto Scalize avalia que o fim do imposto sindical não afetaria sobremaneira a atuação de sindicatos realmente comprometidos com a classe trabalhadora.
(Foto: ASCOM/Fethesp)
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Roberto
Scalize diz que no Sintralav o imposto sindical não chega a representar 12% da
arrecadação para fazer frente ao trabalho do sindicato. “Então, não é com o
imposto sindical que os sindicatos combativos exercem suas atividades”. O
dirigente diz que muitas lideranças estavam numa zona de conforto. “Com as
mudanças que poderão acontecer, quem realmente é dirigente vai começar a se
reinventar, começar a mudar seus paradigmas. Porque o sindicalismo no Brasil é
um sindicalismo arcaico por conta desse paternalismo de Estado”, explica.
O
sindicalista acredita que os que defendem o imposto sindical estão defendendo
os interesses do “próprio umbigo”. “O imposto sindical serve, na verdade, para
sustentar sindicatos ‘pelegos’ e para atender federações, confederações, e
agora as centrais sindicais que foram regulamentadas no governo Lula e passaram
a receber parte do imposto sindical que, aliás, diga-se de passagem, representa
quase 100% de suas arrecadações. Na outra ponta, quem faz o trabalho efetivo
junto ao trabalhador, na porta da empresa, não são essas entidades, e sim o
sindicato de base, cuja receita com o imposto sindical é pífio”, diz.
“Eu
acho que os sindicatos têm que mostrar a que vieram”, afirma. “O verdadeiro
dirigente sindical, que tem compromisso com o trabalhador, não vai deixar de
existir por uma manobra parlamentar e/ou por decisão equivocada do Supremo
Tribunal Federal, o sindicato pode ficar com poucos recursos. Ele pode, de
repente, não ter mais como manter a estrutura que tinha, diminuir a quantidade
de diretores e de funcionários na entidade sindical. Mas ele não vai deixar de
fazer seu trabalho porque é nato dele ser dirigente sindical. Acho que muitos
oportunistas e ‘pelegos’ vão embora e isso é bom porque separa o joio do
trigo”, conclui.
“Pelego”
é um termo pejorativo usado no sindicalismo para definir sindicalistas que não
estão de fato comprometidos com a classe trabalhadora, e sim com interesses
pessoais.
Reforma trabalhista
“As reformas, da maneira como foram conduzidas
pelo Congresso Nacional, sem discussão com a sociedade e da forma como foi
aprovada a princípio no Congresso, é um acinte, um absurdo. Nós vamos
retroceder para o início da Revolução Industrial. É um desmonte total de todas
as conquistas históricas dos trabalhadores”, conclui o presidente do Sintralav.
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Roberto
Scalize
Roberto Scalize é sindicalista desde os 14 anos
de idade. Em 1967, começou a atuar no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, quando o presidente era José Ibrahim. Fez parte da fundação da CUT, foi
da diretoria executiva nacional da UGT durante dois mandatos.Atualmente é presidente do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores em Empresas de Lavanderia do Estado de São Paulo (Sintralav).
Enilson Simões, o Alemão
Metalúrgico, trabalhou
como inspetor de qualidade na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo
(SP), e em 1976 filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Chegou a ser preso e enquadrado na Lei de
Segurança Nacional juntamente com outros membros do Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC. Em 1980 filiou-se ao PMDB e no ano seguinte rompeu com a diretoria do
sindicato. Na época, Alemão já questionava a liderança de Lula à frente da
entidade.
Participou da fundação do Sindbast
em 1986 e foi eleito seu presidente. Em 1991 tornou-se membro da direção da
Força Sindical, mas em 1995 desligou-se por discordância política com a
diretoria. Em 1997 participou da
fundação da Social Democracia Sindical (SDS), da qual foi presidente até 2007.
Nesse ano foi criada a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a partir
da unificação da SDS com a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a
Central Autônoma de Trabalhadores (CAT). Foi então eleito vice-presidente
da nova central, onde permanece até hoje.