Pré-candidata a
vereadora, a ex-secretária prestará novo depoimento à Polícia Federal em julho
Erick Vizoki
Denúncias
envolvendo “pesos pesados” da política nacional, desde pequenos parlamentares
até presidentes da República, além de empresários poderosos e funcionários
ligados a órgãos públicos, desenham um quadro que, apesar de nefasto, revelam uma
sensação de civismo que aos poucos vem seduzindo os corações do povo
brasileiro. Isso porque essas denúncias têm partido justamente de onde os
barões da corrupção menos esperavam: do próprio povo, pessoas comuns,
trabalhadoras e principais vítimas do descaso e escárnio protagonizados pelos
corruptos.
Entre esses nomes,
um se destacou há onze anos ao testemunhar e citar nomes do alto escalão
governista, ainda na gestão presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, no
episódio que entrou para a história recente do Brasil como “Escândalo do
Mensalão”.
Em 22 de
junho de 2005, a revista IstoÉ Dinheiro
publicou uma explosiva e histórica entrevista com Fernanda Karina Ramos
Somaggio, então secretária do publicitário Marcos Valério de Souza, um dos
donos da agência de publicidade SMP&B,
quando revelou um escandaloso esquema de pagamento de altos valores em
propinas para diversos políticos ligados à cúpula do governo e de partidos da
base governista. Eram eles o Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Popular
Socialista (PPS), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido da República
(PR), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Republicano Progressista (PRP)
e Partido Progressista (PP). A entrevista acabou confirmando as denúncias
feitas anteriormente pelo então deputado federal e presidente do PTB, Roberto
Jefferson, até aquele momento sem provas concretas de suas delações.
O episódio
levou o Ministério Público a entrar com a ação penal nº 470 no Supremo Tribunal
Federal. A imprensa passou a chamar o esquema de pagamento de propinas de
“valerioduto”. Cerca de onze anos depois, o apelido mostrou-se quase profético
com a deflagração da Operação Lava-Jato, onde os dutos da maior estatal
brasileira, a Petrobras, passaram a jorrar tanto dinheiro sujo para as contas
de políticos e empresários quanto petróleo.
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Fernanda Karina Somaggio durante depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou as denúncias de corrupção nos Correios em 2005. (Foto: Valter Campanato/Agencia Brasil) |
Após as
denúncias para a IstoÉ, Karina
Somaggio foi chamada para depor na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito) dos Correios, quando citou nomes, locais e quantias por cerca de 18
horas, inclusive entregando sua agenda pessoal, com inúmeras anotações de seu
chefe. Na época, o Ministério Público não considerou tais provas contundentes,
posição que foi revista e comprovada aos poucos durante as investigações e que
finalmente culminaram em outro escândalo muito maior, que acabou ficando
conhecido como “Petrolão”.
A coragem e
heroísmo de Karina Somaggio colocou o Poder Judiciário em rota de colisão com
as classes políticas e empresariais corruptas, o que culminou com a prisão de
nomes poderosos da República, como o ex-ministro Chefe da Casa Civil do
ex-presidente Lula, José Dirceu (PT), o ex-presidente da Câmara dos Deputados
João Paulo Cunha (PT) e José Genoíno e Delúbio Soares, ex-presidente e
ex-tesoureiro, respectivamente, do Partido dos Trabalhadores.
Mas os
holofotes sobre a ex-secretária de Marcos Valério lhe trouxeram mais problemas
do que reconhecimento. Após sofrer vários processos de acusação por parte do
ex-patrão, todos ganhos, Karina negou uma proposta feita pela revista Playboy, no valor de R$ 2 milhões e foi
candidata a deputada federal pelo PMDB de São Paulo em 2006, quando conseguiu
arrecadar cerca de 2 mil votos e não foi eleita.
Na mesma
época em que seu ex-marido pediu divórcio, seu pai foi assassinado em um
assalto, se viu desempregada e sofreu perseguição política. Com o psicológico
abalado, foi obrigada a sair de sua cidade e recomeçar do zero, ao lado de sua
família como dona de casa e dedicando-se ao ativismo animal.
No próximo mês
de julho, Karina deverá prestar novo depoimento à Polícia Federal, em São
Paulo, em virtude das denúncias, em delação premiada, do ex-líder do PT no
senado, Delcídio do Amaral. Em entrevista ao jornal ZeroHora, em 28 de março, Karina Somaggio reafirma que “o que Delcídio fala é
exatamente o que falei”. A PF a intimou no dia 31 daquele mês e, no novo
depoimento, novas informações, desta vez em relação à Lava-Jato, devem surgir e
ganhar a mídia.
Nesta entrevista,
Karina Somaggio conta o que mudou em sua vida após as denúncias de 2005, avalia
a atuação da Justiça na Operação Lava-Jato e as repercussões de sua iniciativa
há onze anos que podem culminar na prisão do ex-presidente Lula e no
afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff.
Ela também
diz que pode ser candidata a uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo pelo
PTN (Partido Trabalhista Nacional) e conta como se tornou uma dedicada ativista
das causas animal, ambiental e vegana, fazendo parte, como secretária-geral, do
Santuário Terra dos Bichos, no interior de São Paulo.
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Karina com um dos
vários animais recolhidos e tratados pelo Santuário Terra dos Bichos. (Foto: Arquivo
pessoal)
Após
onze anos, em outro escândalo ainda maior que o Mensalão, pela primeira vez
Lula está na berlinda e pode até mesmo receber voz de prisão. Na época de sua
entrevista à IstoÉ Dinheiro, você afirmou que sempre foi eleitora do PT e que fez as denúncias por
patriotismo. Como você se sente agora, com o andamento e descobertas da
Operação Lava-Jato?
Me
sinto como qualquer outro brasileiro, decepcionada e indignada com a situação em
que está nosso País. Um país extremamente rico, mas que foi roubado
descaradamente por pessoas sem caráter e loucas por poder.
Fui
eleitora do Lula, sim, pois vim de uma geração onde o PT e Lula eram a
esperança como representantes do povo trabalhador e honesto, coisa não se
concretizou diante de sua sede por poder. Como diz o velho ditado: “Dê-lhes o
poder e lhes mostrarão quem são”.
Autoridades
políticas, até então consideradas intocáveis, como José Dirceu, José Genoíno e
Delúbio Soares, entre outros, foram condenados e presos em consequência de suas
denúncias. Você considera que a justiça foi ou está finalmente sendo feita?
A justiça,
sim, está sendo feita, mas esta justiça tem que ser para todos, sem exceções e
dura com todos os corruptos. Nosso País não aguenta mais a corrupção, seja em
qual instância ela se apresente. A classe média não aguenta mais pagar a conta
de regalias de pseudorrepresentantes, haja vista a qualidade dos deputados federais
na ocasião da votação do impeachment. A maioria não representa o cidadão de bem
que luta diariamente para pagar duplicado por educação, saúde, segurança e tudo
mais. Acabou. A mão da justiça tem que ser forte, seja para quem for. Só assim,
corrupto e corruptor devem ser punidos com rigor da Lei.
Recentemente,
Conceição Andrade, ex-funcionária da Odebrecht, apresentou uma lista com cerca
de 500 nomes de políticos e autoridades que recebiam propinas da empreiteira.
Você acredita que atitudes como a dela podem ter inspiração em suas denúncias
sobre o Mensalão e que podem ajudar a passar o Brasil a limpo?
Minha
inspiração veio por ter sido criada em uma família de professores, onde ser
íntegra e honesta é raiz forte. No caso da Conceição, espero que tenha sido por
motivos tão fortes quanto os meus e não por medo de ser processada.
Há
rumores de que Marcos Valério pode voltar a propor ao Judiciário uma nova
delação premiada. Você acha que podem existir informações de fatos ou suspeitas,
acerca do Mensalão, que ainda não foram apurados ou adequadamente apurados?
Acha que passou alguma coisa? Marcos Valério poderia, realmente, ter algo mais
a dizer?
Tenho
certeza absoluta que o Marcos tem muitas coisas ainda a falar. Só ainda não
falou porque não chegou a hora, talvez.
Dentre
os diversos nomes envolvidos no escândalo do Petrolão, alguns já estavam
envolvidos com o Mensalão, como o próprio José Dirceu. Você chegou a ouvir,
quando ainda trabalhava para Marcos Valério, alguma menção à Petrobras?
Desde
que entrei na SMP&B, Petrobras, BNDES eram sempre citados em quase todas as
negociatas.
Depois
das denúncias à IstoÉ Dinheiro, você praticamente virou uma celebridade instantânea, chegando até a
ser sondada pela revista Playboy e
tentou a carreira política. Em 2006 você se candidatou à deputada federal pelo
PMDB e, em 2008, tentou a Câmara dos Vereadores de São Paulo, pelo PHS. O que
você acha que deu errado nas duas tentativas? Você pensa em tentar novamente?
Quanto
ao PMDB, naquela época eu estava extremamente abalada por todas as coisas que
havia passado, não conhecia os meandros e os lobos de plantão da política. Fui
ameaçada por alguns caciques e no meio da campanha oficial estava muito cansada
e sensibilizada. Perder a eleição, naquele momento, foi uma das melhores coisas
que poderiam ter acontecido naquela época. Quanto a eleição de 2008, fui
convidada por amigos para me filiar ao PHS, mas devido a disputas internas do
partido, resolvi não concorrer.
Hoje
sou filiada ao PTN, onde sei que sou respeitada e onde posso apresentar minhas
propostas abertamente e, por esse motivo, hoje sou pré-candidata a vereadora
pela cidade de São Paulo. Amo esta cidade e quero vê-la pulsante novamente. Sabemos
que nossa cidade está sem a administração que ela merece. Mais uma vez, nossa
cidade está à mercê de pessoas que só pensam em poder e nunca na população como
um todo.
Pouco
tempo depois das denúncias, você passou por muitas dificuldades: se divorciou,
seu pai foi assassinado em um assalto, sofreu perseguições através de ações na
justiça impetradas por Marcos Valério, teve dificuldades em conseguir trabalho.
Como conseguiu superar tantos problemas?
Vejo
esses fatos como crescimento. Sou uma pessoa muito espiritualista, acredito que
quando pulsamos Amor, recebemos Amor em troca. Para passar por tudo isso, me
retirei por cinco anos em um sítio na cidade de São Roque, interior de São
Paulo, para poder organizar todos os meus sentimentos e pensamentos, curar
minha feridas e voltar ao que mais amo nesse mundo que é a causa animal,
trabalhos de sustentabilidade ambiental e ajudar as mulheres que necessitam se
reposicionarem como Mulher (em letras maiúsculas). Quando ajudamos, nós também somos
ajudados e aprendemos com as dores dos outros, curamos as nossas e meu processo
foi esse. Hoje sou ativista na causa da libertação animal, tentando amenizar o
sofrimento de tantos animais que são explorados e maltratados diariamente. Por
isso trabalho na Ong Santuário Terra dos Bichos, instituição que acolhe cerca
de 500 animais vítimas de maus tratos e exploração. Um trabalho lindo que é
feito por mulheres guerreiras. Juntos podemos mudar a realidade de nossa
cidade, é só querermos. Isso é amadurecimento polítco.
Mesmo
com uma formação que inclui ter morado no exterior, você teve dificuldades em
encontrar um novo emprego. Você credita essa dificuldade à sua postura em
relação à corrupção? Acha que por causa das denúncias as pessoas perderam a
confiança em você?
Como
as pessoas podem perder a confiança sendo que não me conhecem?
Acho
sim, que houve um preconceito, mas isso é coisa do passado, sei que tenho
qualificações administrativas que poucos possuem, isso me basta. Se existem
pessoas que preferiram não me dar uma chance por esse motivo, é porque também
não são confiáveis. Julgamos os outros pelo o que somos, simples assim.
A
indignação dos brasileiros em relação à corrupção assumiu, nos últimos meses,
proporções nunca antes vistas no País, graças a investigações como os
escândalos do Mensalão e Petrolão, com mobilizações que chegam a ser maiores
que as Diretas Já, de 1985, e os Caras Pintadas,
de 1992, por parte da população. Como você vê isso? Pode caracterizar um
amadurecimento do eleitorado?
Acho
sinceramente que tudo veio à tona quando a economia começou a se fazer presente
no nosso dia a dia, a perda do poder de compra, alta exorbitante dos juros,
violência nas ruas etc. As investigações apenas mostraram que aqueles que eram
idolatrados por tantos, não eram tão inocentes e nem tão honestos assim.
Estopim para que todos se revoltassem. Quanto ao amadurecimento do eleitorado,
espero que com as notícias tristes que são exibidas todos os dias nos
noticiários, a população finalmente desperte para a política séria sem se
vender para os aproveitadores de plantão.
Mas
isso, só iremos ter certeza quando saírem os resoltados em outubro próximo.
O
que você diria para as pessoas que sabem sobre esquemas ilícitos em seus locais
de trabalho, comunidades ou grupos sociais e têm vontade de denunciar, mas não
se sentem seguras? Vale a pena?
Sempre
vale a pena, não existe nada melhor do que deitar e ter a consciência em paz.
Precisamos
sempre denunciar a corrupção, ela é o câncer em nosso país. É ela, a corrupção,
que faz com que tantos morram nos hospitais por falta de saúde de qualidade; é
ela a responsável por não podermos nos sentir seguros ao andarmos nas ruas; é a
corrupção que não deixa que nossas crianças tenham uma educação de qualidade. Afinal,
quem estuda sabe cobrar. Se tem educação péssima, vira massa de manobra.
Corrupção é isso: jogar todos os nossos direitos no ralo.
Brasileiro
é povo batalhador não tem medo de trabalhar, temos tudo para fazer um país
melhor, falo mais uma vez.
Se você
sabe onde existe corrupção, denuncie. E se não denuncia, vira cúmplice dessa
corrupção.
Servidor público é para servir a população e não
para extorqui-la.